domingo, 16 de fevereiro de 2014

CONCEIÇAOZINHA, SOLUÇÃO EM CIMA DA NEGLIGENCIA NAS TRES ESFERAS: MINHA CASA MINHA VIDA, CDHU E COHAB

Um navio estacionado na porta de casa

Os cargueiros impedem os sinais de TV, mas não as crianças de aproveitar o mar na favela que fica no porto de Santos

Yan Boechat, iG São Paulo 

 
Yan Boechat
Numa tarde quente do fim de janeiro, moradores da favela Sítio Conceiçãozinha improvisam um jogo de futebol na parte rasa do canal do Porto de Santos
 Quase todo dia por volta das nove horas da noite a dona de casa Maria de Lourdes Antunes realiza uma espécie de ritual pré-novelístico. Momentos antes de começar o mais nobre dos folhetins televisivos da Rede Globo, Maria de Lourdes para o que estiver fazendo para ir ao quintal. Chega bem perto da cerca de madeira que marca os limites de sua acanhada propriedade, fica na ponta dos pés, estica a cabeça e busca no horizonte o sinal de que algum grande navio se aproxima. Se as luzes dos imensos cargueiros que levam as commodities brasileiras mundo afora estiverem à vista, é certeza de que não poderá se esbaldar de rir com a atuação do ator Marcelo Serrado na pele do mordomo Crô. “Não sei por que, mas quando os navios estão estacionando aqui na frente de casa a TV vira um chuvisco só, não dá pra ver nada, e eu perco o Crô, uma tristeza, meu filho”, conta ela.


Para Maria de Lourdes, navio estacionado na porta de casa está longe de ser uma figura de linguagem. É que para ela e outras quase 6 mil pessoas que moram numa favela encravada no meio do Porto de Santos, trata-se da descrição literal do que ocorre quando um imenso graneleiro atraca em um píer, distante menos de 50 metros de suas janelas. Obrigados lidar com as particularidades de se viver dentro do maior terminal marítimo da América Latina, os moradores da favela Sítio Conceiçãozinha se acostumaram com uma série de exóticos eventos que só ocorrem por lá. Ter o sinal da televisão afetado pelos poderosos sistemas de navegação dos mais de 5,7 mil navios que atracam todos os anos no Porto de Santos é apenas um dos mais simples deles.







Google Maps
A favela Sítio Conceiçãozinha está cercada pelo Porto de Santos em todos os lados
Vista do alto, mais especificamente pelas lentes do satélite que abastece o sistema de mapas do Google, é fácil entender porque a favela do Sítio Conceiçãozinha é uma aberração típica da mal ajambrada infraestrutura brasileira. Nascida como uma vila de pescadores e sitiantes na virada do século passado, a área começou a ser ocupada por migrantes ainda na década de 60. Nos anos 70, o Porto de Santos foi se expandindo para o outro lado da margem, no Guarujá – onde está a favela – sem que houvesse qualquer preocupação com aquela população. Terminais de carga foram construídos, píeres fincados a poucos metros de distância das casas, e empresas foram se estabelecendo. Logo, mais pessoas vieram e o que era uma vila bucólica transformou-se, a partir dos anos 80, num aglomerado de barracos, palafitas e vielas estreitas.

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